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Fico com Marinny: ela tem a cara da eternidade
Absalão estava sozinho,deitado em sua cama de solteiro,com os olhos fixos no teto de seu quartinho no final do corredor da centenária pensão de dona Ziza.Quando chegava,cansado do trabalho,colocava sua mochila sobre a velha cômoda de madeira e se esticavava todo,feito um felino com preguiça.E ficava introspectivo,enquanto descansava,fazendo uma análise  do seu dia de luta. Viera  do interior de Angicos,morar na concorrida e agitada cidade de São Paulo.Veio para trabalhar em uma atividade que não fosse a agricultura e estudar numa escola secundária para concluir o Ensino Médio.Queria 'fazer' faculdade,conseguir um emprego decente e ter uma vida mais suave que seus irmãos que insistiam em continuar trabalhando como agricultores no interior potiguar. Todavia,queria também encontrar a "fada" que havia desenhado no mundo de sua mente.Há seis meses estava naquela rotina,na grande cidade,estudando e trabalhando. Mas nesse ínterim,conhecera ,na escola,uma doce menina. Para ele,o amor morava em Marinny.Ela  o atraía por sua simplicidade.Era naturalmente bela.Sentia que do coração dela procediam as fontes de vida. Mas era tímido,e apesar de sentir o interesse da moça por ele,não tinha coragem de aproximar-se.Naquele dia,porém, algo novo lhe ocorreu: sua 'fada' o procurou no intervalo das aulas,sentou-se perto dele e iniciou um diálogo promissor para o seu coração. Ela disse-lhe: "Admiro sua forma de se comportar aqui na escola.Você é diferente". Seu sentimento deu um sorriso maroto. Um sorriso alegre rasgou seu rosto de ponta a ponta.Ao ouvir o toque da sineta avisando o final do intervalo,trocaram os números do telefone.Durante as aulas,só trocavam olhares,somente se cumprimentavam com um "oi","olá"...
Passava das dez da noite.Desde sua conversa com Marinny,durante o intervalo da aula,a imagem dela ficou gravada em sua mente,agora com mais rigor.Ela havia ,com aquele diálogo,alimentado seu desejo pela quase desconhecida colega de sala.Naquele dia,seu pensamento estava fixo no sorriso, na figura singular de Marinny. Nem sentia vontade,como fazia diariamente, de levantar-se para tomar banho,jantar e retornar para seu apertado quartinho,para dormir e no outro dia,recomeçar sua rotina.Após o diálogo,sua mente fervilhava, seus corações - o da alma e o do corpo – estavam inquietos, tensos.Pela primeira vez,após um ano de solidão,tinha a esperança de recomeçar sua vida afetiva com uma mulher que ,de início,tinha aprovação de seu coração e de sua inspiração,uma espécie de sexto sentido,que recebia não sabia de onde.
Enquanto divagava em seus pensamentos , o telefone toca.Apressadamente,Absalão pega  o telefone colocado sobre a velha cômoda , com ansiedade,olha o visor do aparelho. Número desconhecido. Quem seria? Seria Marinny? Alô? Disse uma voz doce e calma, parecia uma sinfonia de Bethoven. Então perguntou – Quem é? A  voz 'aveludada' desapareceu-lhe dos ouvidos, como um relâmpago desaparece no horizonte. Oh! Ela desligou. Por que fez isso? Teria ficado decepcionada por Absalão não ter reconhecido de imediato sua voz? Mais do que nunca, o jovem Absalão estava carente daquela voz, da dona dela.Naquele momento,estava exatamente querendo conversar com Marinny.Precisava esvaziar seu coração. Sua alma estava lotada de interrogações, dúvidas, incertezas...eram ainda vestígios de relacionamentos frustrados que tivera em sua cidadezinha natal.
Após alguns minutos, o telefone volta a tocar, quebrando o silêncio do quarto de Absalão, e fazendo seu coração disparar. Era ela de novo.Que bom. O coração do moço abriu um largo sorriso. – Você já estava dormindo? Te acordei? Não, não... estava aqui... pensando...em você.Disse,criando coragem.Está bem,disse ela,amanhã,sairemos da aula mais cedo e teremos mais tempo para conversar. Você quer? Claro,claro,balbuciou ele,feliz da vida. Foram poucos segundos de conversa, mas o suficiente para aliviar o peso da alma do jovem.
Absalão parecia estar nocauteado pelo sentimento que floresceu dentro dele por aquela quase desconhecida garota.Há seis meses era sua colega de sala de aula,mas quase nada sabia sobre ela.Porém,isto pouco importava para ele.
A lembrança, a ausência dela o deixava no tapume. Parecia ter recebido um cruzado de esquerda de Tayson,em seus bons tempos de peso pesado.
A moça que mal conhecia, mas que tirava sua paz, parecia ser de boa índole. Demonstrava ser sincera, fiel, solidária. O coração dela também ansiava por um semelhante ao de Absalão. Era muito carente e solitária,como ele.Pôde deduzir isto pela curta convesa que tivera  com a moça no intervalo da escola. Combinava, sim, com Absalão!
Por que não dar uma nova chance a si mesmo? Pensou. Apesar de seus vinte e seis anos,já tivera em seu interiorzinho,Angicos,algumas decepções amorosas,talvez por causa de seu romantismo. Há mais de um ano estava solitário,ficara frustrado com os relacionamentos anteriores.Tinha medo de sofrer nova desilusão.A última namorada o trocou por um forasteiro que havia ido a Angicos fazer estudos sobre Lampião,o rei do cangaço.O coração de sua alma ficou "em carne viva".
Há várias estações. Mas o coração do rapaz até aquele momento só conhecera uma – o verão, por isso seu sentimento era como um vale árido e desolado. Sua alma precisava sentir o gosto das outras estações – a primavera traria as flores e o perfume, o inverno água para irrigar o território seco de sua alma. Aquela jovem, na mente dele, simbolizava inverno e primavera.
Recomeçar era para ele um grande desafio.Então uma frase veio-lhe à mente – “Os barcos estão seguros se permanecem no porto, mas eles não foram feitos para isso”. Esta frase fortaleceu sua decisão.
Lembrou das caravelas de Cabral, das três embarcações de Cristóvão Colombo e decidiu: iria, sim, sair do porto no qual estivera ancorado e como os navegadores, iria enfrentar as bravuras do mar e do desconhecido. Iria à busca de novos horizontes, de um porto seguro. De “terra que emana leite e mel".
Pensou, ainda, que cada pessoa é só metade dela mesma. Ela precisa achar sua outra “metade” e assim se unirem como flor e ramo, como mente e corpo.
Não que a outra metade possa preencher “o buraco existencial” da outra pessoa. Percebemos que no próton e no elétron, eles se precisam e se completam naturalmente.
Por isso, o irrequieto e necessitado coração de Absalão largou o medo e as frustrações e decidiu: no outro  dia mesmo,abriria seu sentimento para Marinny. Estava disposto a recomeçar com ela um relacionamento com cara de eternidade.Ela já lhe havia sinalizado favoravelmente.

Marcos Antonio Vasconcelos  Rodrigues


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Marcos Antonio Vasconcelos
Enviado por Marcos Antonio Vasconcelos em 29/04/2012
Alterado em 20/04/2015


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