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Quanto amor e dor
QUANTO AMOR... E... DOR...

O barulho ensurdecedor da chegada do trem das sete rasgou o véu do silêncio da pacata cidade de Miraíma no agreste nordestino. À medida que o trem se aproximava, o coração da alma de João parecia querer pular fora. No vagão viria sua inesquecível amada. Passar seis meses ausentes dela era muito doloroso. Ficava faltando-lhe um pedaço.
Quando o vagão parou, João já estava em pé na plataforma onde o trem faria o desembarque de passageiros. As pessoas desciam apressadas das várias saídas do vagão. Os olhos de João estavam atentos a todas as saídas, afinal ele não sabia por qual porta de desembarque ela desceria. Seus olhos não encontraram sua amada.
- Meu Deus, o que houve? Ela não veio. O que teria acontecido? Imediatamente pegou o celular e ligou pra ela. Mas só ouvia a gravação cansativa que dizia “este telefone no momento não está recebendo ligações”, tentou várias vezes. A mesma resposta. Um misto de desencanto e frustração deixou-o extremamente abatido. Vários pensamentos conflituosos vieram-lhe à mente da alma – teria desistido dele? -- Não, não posso crer, pensou. Estaria doente? Por que não ligou avisando que não viria no trem das sete? A paixão de João encontrou justificativas para todos os possíveis deslizes da amada. E decidiu – iria esperar pelo trem das nove. Respirou fundo e sentou-se solitariamente no banco tosco da estação. Levantou a cabeça para o alto e viu várias estrelas piscando silenciosamente no céu, o brilho delas não lhe trazia alegria como outrora. João procurava distrair-se observando os poucos transeuntes apressados que se dirigiam aos guichês em busca de informações.
Até passou uma moça interessante fisicamente, mas aos olhos de João, nenhuma beleza se comparava ao encanto e singeleza de sua amada. Os seis meses de ausência de Eva não foram suficientes para atenuar seu amor, ou paixão? O certo é que a figura alta e esguia de Eva não lhe saía da lembrança. O “cheiro” dela estava impregnado em suas narinas. Que outra mulher teria o odor tão aprazível como o de Eva? Alguma voz se assemelharia à doçura da sua? Não. Para ele, não... sua amada era toda formosa, nela não havia mancha. Ela seria mais ou menos como a noiva descrita no livro “Cantares de Salomão”.
Enquanto viajava na lembrança de Eva, as badaladas do sino da velha estação de Miraíma trouxeram-no de volta à realidade. Olhou o relógio, eram nove horas. O vagão já se aproximava, rasgando agora de maneira mais intensa, o silêncio da noite. Ela vem neste, não é possível, meus Deus. Alegria e incerteza administravam suas emoções naquele momento. Olhou avidamente tentando encontrar a figura da amada, porém não a viu. A última pessoa a desembarcar do trem foi um velhinho curvado pelo peso do tempo, segurando uma bengala e caminhando com dificuldades. Meu Deus, ela não veio. E este é o último trem. Ficou confuso, precisava se organizar emocionalmente. Sentou-se ali mesmo, na plataforma de desembarque. Tinha que administrar sua dor, decidir o que faria, precisava continuar “tocando a vida em frente”. Passou a noite em claro, ali mesmo. Logo às cinco da manhã pegou o primeiro trem e foi à procura de sua amada. Ela havia ido a Recife fazer companhia a uma tia acometida de uma doença terminal. Quando Eva se dirigia à estação para pegar o trem que chegaria às sete, na cidade de Miraima, foi colhida por um veículo, que a jogou distante. O amor de João se despediu da vida ali mesmo, sem se despedir de João. Quando o moço chegou à casa da tia de Eva deparou-se com a amada em um caixão... Já era o velório dela. Ninguém tivera coragem de avisá-lo. Inclinado sobre o caixão da amada, secou todas as lágrimas. A dor era indescritível. `uma frase guardada no baú do coração trouxe-lhe ânimo ´ - “não se turbe o vosso coração...” – “ os meus caminhos não são os vossos caminhos”. Era Jovem. Tinha vinte e cinco anos. Iria tentar viver de novo. Deus o sustentaria.

Marcos Antonio Vasconcelos Rodrigues



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Marcos Antonio Vasconcelos
Enviado por Marcos Antonio Vasconcelos em 10/12/2010
Alterado em 18/04/2015


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