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Quando caí com Eva, ela tinha dezesseis e eu dezessete
Eu ainda era uma criancinha quando cheguei ao Jardim do Éden. Até onde minha vista podia alcançar, percebia que o lugar apresentava uma natureza exuberante e um rio de águas cristalinas que atravessava o Jardim ponta a ponta regando toda a vegetação existente.
Fui trazido ao Jardim por uma criatura que vestia roupas longas e brancas , de rosto sereno e com uma auréola de luz branca  circundando a cabeça.
Ele nada me falava e aparecia e desaparecia como um relâmpago. Sua missão era  acompanhar meu crescimento e oferecer ajuda , quando necessário.
Mas eu desejava muito conversar com ele. Fazer-lhe algumas perguntas. Quem sou eu? Quem me criou?  Qual meu propósito neste lugar exótico, fascinante e solitário? Por que estava sozinho ali? Havia outros seres semelhantes a mim? Enfim, eram perguntas sem fim.
Enquanto meditava sentado à margem do rio que cortava o jardim , vi pela pela primeira vez a chuva da primavera cair alegremente , após o final de um dia quente e abafado em que o vento soprava feito vapor. Pela primeira  vez senti o cheiro de terra molhada trazendo um odor gostoso às minhas narinas. Depois da chuva, um arco de sete cores formou-se a Leste do Jardim complementando todo o esplendor da manifestação da natureza naquele dia.
Enquanto admirava o show proporcionado pela criação , senti um toque suave no meu ombro e  uma voz suave como a brisa, dizendo:
- Adão, está gostando de morar neste lugar?
- Então, meu nome é Adão?
-Sim, e significa "homem da terra vermelha", porque você possui na formação do seu corpo todos os componentes existentes na terra. Há outros homens em outras regiões semelhantes a você, porém dotado de corpo físico, espírito e alma , você é o primeiro ser criado com essa formação. Para esse lugar será também trazida uma mulher com sua mesma composição e vocês serão  o protótipo da criação da humanidade futura, dotada de corpo, alma e espírito. Com esses atributos, após abandonar o corpo físico,  essa geração oriunda de vocês,  terá dimensão eterna, a exemplo do nosso Criador, Deus.
-Deixa eu terminar de responder à pergunta que me fizeste , disse-lhe.
-Prossiga , disse o Arcanjo.
Estou gostando do lugar, no entanto, sentia-me confuso por não saber nada sobre mim mesmo e também por me sentir solitário. Agora que você me disse que terei uma companheira , sinto-me mais aliviado.
-Então, quanto tempo permanecerei aqui no Jardim?
-Sua permanência com Eva aqui no Jardim terá como  propósito o crescimento espiritual de vocês. Após isso, poderão casar-se , ter filhos e , assim, formarem a humanidade.  Entenda que crescimento espiritual seria desenvolver atributos tais  como maturidade emocional e  psicológica , o que se dará quando vocês atingirem a unidade com Deus. Isto ocorrerá no tempo certo e determinado porque obedece a um período de tempo. Sou o arcanjo Gabriel, e estarei aqui ajudando-os a alcançarem os propósitos traçados por nosso Criador para vocês.
Estarei com vocês todos os dias, e embora , às vezes , não consigam me ver,  saberão que estou aqui, pois sentirão minha presença.
Após esse primeiro diálogo, não mais consegui ver Gabriel.
Quando consegui vê-lo novamente, eu já estava entrando na adolescência. Passei cinco anos sem vê-lo, sem conversar com ele. Algumas mudanças já haviam começado  a se desenvolver em meu corpo. Começaram a surgir pelos, minha voz começou a "engrossar" e as duas "bolinhas" que ficavam juntas a um órgão abaixo da minha barriga começaram a crescer. Estava entrando em outra fase da vida.
-Adão, nosso Criador mandou-lhe trazer sua companhia.
-Oba! Que bom, gritei eu. Quem é? -Perguntei ansioso.
-Seu nome é Eva . Foi criada em outro Jardim semelhante a este e nas mesmas condições que as suas.  É mais jovem que você apenas um ano. Amanhã, eu a trarei.
Porém , tenha cuidado. Deverão se relacionar como irmãos e amigos, até segunda ordem. Evitem envolvimento físico.
No outro dia, ao nascer do sol, o anjo Gabriel chega acompanhado com  Eva e diz:
- Aqui está sua companheira e futura esposa. Cuide bem dela . Já dei a Eva as mesmas instruções que lhe repassei.
Olhei Eva com carinho e ternura, com sentimento de irmão. Porém , percebi que seu corpo passava pelas mesmas transformações que o meu. Suas mamas e quadris estavam crescendo. Sua cintura e voz eram finas. Tinha os olhos negros e amendoados, cabelos também negros e crespos. Sua pele era queimada pelo sol.
O arcanjo ordenou:
- Leve-a para descansar. A jovem caminhou bastante, está exausta.
Minha casinha era extremamente rústica. Era feita de varas e troncos e coberta com folhas de figueira. Havia dois quartos e uma salinha, com troncos de árvores para servir de assento. Um dos quartos agora era da nova moradora, Eva. Comida e água não seriam problemas. Havia frutos diversos que serviriam de alimento. E pensei: " Agora serei feliz porque além do som das folhas e do ruído do vento balançando,tenho   a companhia de um outro humano. Era tudo o que eu queria."
Peguei Eva pela mão e a levei para dentro de minha casinha, conforme o anjo havia solicitado. Ao me virar para agradecer e me despedir, ele havia sumido novamente, feito fantasma.

Almoçamos uvas e maçãs. E como Eva estava cansada,  dormiu quase a tarde toda. Acordou à noitinha , jantou e em seguida foi dormir novamente.
Ao abrir a porta da casa no outro dia, havia um outro anjo sentado num banco tosco , encostado à parede frontal de minha casa, esperando por nós. Ele se apresentou:
- Meu nome é Lúcifer e estou substituindo o arcanjo Gabriel. Ele foi designado por Deus para uma missão importante no Mundo Espiritual. Doravante , serei o responsável pelo acompanhamento do desenvolvimento espiritual de ambos. Deus criará outros seres os quais chamará de animais. Cabe a vocês dar-lhes o nome a cada espécie e cuidar deles. Algumas espécies servirão como alimento, mas apenas aqueles que eu lhes indicar. Vivam em harmonia com eles e  não os maltrate. Tenham domínio sobre eles, mas com amor.
- Tudo bem, seja bem-vindo, disse-lhe.
Nosso trabalho havia se ampliado. Além de lavrar  o Jardim agora nos era dada uma nova missão de cuidar dos animais e dar-lhes os  nomes.
À medida que o tempo passava , Eva ia ficando mais atraente e bonita, contudo , eu a enxergava apenas como irmã e seguia direitinho as instruções do arcanjo Gabriel. Vivíamos nus e não nos envergonhávamos. Não havia maldade em nossos corações.
Entretanto, eu percebia que Eva se sentia solitária. Talvez quisesse que  conversasse mais com ela, que lhe desse mais atenção; todavia , eu vivia absorvido pelo trabalho e tampouco tinha maturidade para entender o coração de uma mulher solitária .
Com frequência, flagrava o olhar de Lúcifer sobre a nudez de Eva. Mas eu não compreendia nada daquilo. Não sabia que era desejo. Lúcifer sabia do vazio do coração de Eva e conquistou a confiança e o sentimento dela. Cada dia eu percebia o semblante de Eva caído. À noite, saía com frequência , de madrugada, e demorava  voltar. É provável que fosse  encontrar-se com Lúcifer.
Durante o dia, era comum Eva deixar seus afazeres para ir conversar com o arcanjo. Ele ficava sempre sentado debaixo de um pé de macieira , apenas observando o movimento . Quando estava perto dele , vi que sempre  riam à vontade. Ela parecia gostar dos elogios do anjo e sentia-se feliz com isso. Percebia tudo aquilo, mas não interferia, pois meu coração não tinha nenhuma maldade; além disso,  Eva sabia do Mandamento que houvera recebido.
Com o passar dos dias, observei Lúcifer um pouco distante e ausente. Parecia sentir-se envergonhado de algo. Após  a queda com Lúcifer, Eva apresentava, com frequência, o semblante caído, agora com mais intensidade. Uma noite, sentou-se ao meu lado e me contou seu envolvimento com o arcanjo. Disse-me que precisava falar,  pois estava com um sentimento de culpa muito forte e enorme pesar no coração. Pediu-me que aceitasse pelo menos dormir ao meu lado todas as noites, porque se sentiria amparada por mim. Tive pena dela e aceitei. Ao meu lado, Eva acordava de madrugada passando a mão sobre meu corpo. Eu me virava e pedia que parasse com aquilo. Mas com o decorrer dos meses , não resisti e caí também com ela . Após a primeira relação nos envergonhamos de nossa nudez e nos cobrimos com folhas de figueira. Sinto que todos os sentimentos que Eva trazia no coração após a queda com Lúcifer , foram repassados a mim: culpa, medo, traição, incerteza, melancolia, e outros sentimentos ruins que passaram a compor o quadro da minha natureza e de todos os humanos, nossos descendentes.
Assim, Eva caiu com o arcanjo Lúcifer aos quinze anos. Quando caí com Eva , ela tinha dezesseis e eu dezessete.  

Marcos Antonio Vasconcelos Rodrigues

Este texto é uma obra de ficção. Não está de acordo com o relato do Gênesis. Não tem por objetivo apresentar uma nova versão sobre a queda humana citada na Bíblia.

Obra registrada e licenciada.









Marcos Antonio Vasconcelos
Enviado por Marcos Antonio Vasconcelos em 28/12/2012
Alterado em 01/03/2024


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