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A Copa de 1954, na visão de Mário Américo - ex-massagista da seleção brasileira
A Copa de 1954, na visão de Mário Américo - ex-massagista da seleção brasileira
O grande fantasma na Suiça era o esquadrão húngaro , comandado pelo célebre Ferenc Puskas. Se não me falha a memória, a Hungria tinha mais de setenta partidas sem derrotas quando começou aquele campeonato, uma invencibilidade respeitável, que justificava seu absoluto favoritismo. Dizia-se , na época, que os magiares jogaram dopados , mas era pura mentira política, fácil de desmascarar. Vejam: um atleta dopado pode ser dinâmico e produtivo durante dez ou doze partidas, não mais. Depois começa a cair e, em pouco tempo, está liquidado. Como podiam estar dopados os húngaros , se jogaram e fizeram furor durante mais de dois anos praticamente com os mesmos jogadores? Além disso, seu treinamento era de arrepiar os cabelos. O que se comentou depois é que os alemães , sim, atuaram fortemente dopados , principalmente na última partida. Nos jogos de classificação - quartas de final - os húngaros meteram 8 x 3 nos teutos e não marcaram mais cinco porque não quiseram se desgastar. É verdade que os alemães jogaram com o time reserva , mas mesmo assim trata-se de um placar impressionante. Na revanche, decisão do título, os húngaros fizeram dois gols em dez minutos e tudo levava a crer a uma nova goleada. Mas aí acho que as bolinhas começaram a fazer efeito, porque de repente os alemães cresceram, pararam a linha rival e fizeram três tentos, com o que conquistaram o título. Essa equipe alemã. segundo se soube , foi todinha internada depois num sanatório e nunca mais se ouviu falar daqueles jogadores. Acho que ficaram loucos por causa do excesso de drogas que tomaram para ganhar a Copa. Seja como for, a derrota da Hungria naquele certame foi uma das maiores injustiças acontecidas no futebol mundial. Era uma poderosa máquina de jogar futebol , com onze astros de primeira grandeza. Mas, como comentou na época o cronista Solange Bibas, "eram onze craques fabulosos, mas apenas onze. Não havia reservas à altura e, enquanto outros puderam poupar seus titulares nos jogos de classificação, a Hungria teve que ir até o fim com os mesmos". Puskas, por falta de reserva , teve que entrar machucado no último encontro. E se tudo não bastasse, o árbitro ainda anulou um gol da Hungria , que poderia ter determinado a prorrogação. Essa foi uma Copa em que não se pode falar em injustiças no que diz respeito à convocação de brasileiros. É verdade que Gilmar já merecia o posto de titular , mas nem com ele ou com outros que ficaram, teríamos vencido naquelas circunstâncias. Zezé Moreira tinha uma concepção de jogo que consistia de fortalecimento muito atrás, homem-pulmão no meio do campo e três homens na frente. Para essa concepção , até que estávamos muito bem com os homens que levamos: Castilho, Djalma Santos, Pinheiro, Nilton Santos , Brandãozinho, Bauer, Didi, Julinho, Humberto, Maurinho, Baltazar e Rodrigues. Mas havia outras coisas. Nós fomos para a briga às cegas. Não sabíamos nada dos adversários. Tínhamos um medo terrível da Hungria , não só por causa de sua invencibilidade , mas também porque ela havia arrasado com os ingleses em Londres e Budapeste. O que houve de pior , porém, foi a falta de informações . Os brasileiros não estavam a par de nada, nem mesmo do regulamento. No jogo com a Iugoslávia - oitavas de final - foi uma calamidade. O empate seria bom para os dois , porque se classificavam os vencedores de cada chave , mas nem mesmo o técnico Zezé Moreiria sabia disso. A nossa turma corria , suava a camisa e os adversários , fazendo gestos com as mãos, diziam: Very good, very good! ..." e o Didi , enfezado, respondia: "Que verigude que nada, vamos tacar ficha nesses caras!"... Aí alguém da delegação iugoslava foi até o nosso banco e deu a informação , que o Zezé mandou transmitir aos jogadores, com ordem para que mantivesssem o empate. Terminamos mesmo empatados, mas então verificamos que o melhor teria sido a vitória, porque o sorteio nos jogos nos jogou nos braços da Hungria , que tanto nos assustava. Pois é, os cartolas , sempre eles, ignorantes, omissos, negligentes, inúteis. Tinha cartola "de monte" na Suiça e nehum ficou com a delegação . Foram para os hotéis mais finos e só raramente apareciam. Diziam que o chefe estava ocupado, fazendo conferências sobre literatura. Se naquela época a gente tivesse um "olheiro" como o Ernesto dos Santos, acho que dava para ganhar até da Hungria. Mas não tínhamos , por isso o time cometeu pecados terríveis, principalmente nos instantes iniciais do jogo, por temor ao fantasma magiar. Pensamos primeiro na defesa e só depois no ataque , tudo porque quando o sorteio indicou os húngaros para nós, quase todos os brasileiros, lá e cá puseram as mãoes na cabeça e consideraram a batalha perdida. Imaginem então o time! Ninguém sabia que os húngaros tinham um ataque poderoso , mas defesa fraca e que, além disso, já estavam à beira da estafa, com vários titulares machucados, inclusive, o grande comandante Puskas. Ernesto dos Santos deixava passar essa? Aqui, ó. Em 54, com a lição dura e doída de 50, os nossoso dirigentes já deviam saber tudo, vocês não acham? Mas não aprenderam nada. No dia do jogo com os húngaros, um pouco antes de entrarmos em campo, espiamos pela janelinha e vimos alguns dos jogadores fazendo ginástica, correndo num campinho que havia ao lado. Eles suavam, gemiam, e a gente daqui só gozando e berrando. Depois entramos em campo e eles também, só que continuaram pulando sem parar. Continuamos achando graça , sem saber, então, que eles estavam simplesmente fazendo o aquecimento , que hoje é adotado no mundo inteiro e em todas as modalidades esportivas. É verdade que o juiz do jogo Brasil x Hungria, Mister Ellis ( em quem depois puseram toda a culpa), roubou um bocado contra nós, a ponto de o jornalista Paulo Planet Buarque invadir o campo e dar-lhe uma bofetada na cara. Mas mesmo com árbitro imparcial não teríamos vencido. Os húngaros eram melhores e mereceram a vitória, que conquistaram mesmo sem o Puskas. Nesse dia, machucado, ele ficou difigindo do banco , e aproveitou a deixa para provocar nosso técnico do começo ao fim. No fim, aconteceu um bafafá medonho no túnel e nos vestiários , entre húngaros e nós. A coisa começou no campo quando Nilton Santos apelou e foi expulso. Ficamos com dez (perdemos de 4 x 2) e no fim praticamente com nove, porque Pinheiro, com um supercílio aberto, mal conseguia enxergar o adversário, quanto mais a bola. Quando o jogo terminou, o ponta esquerda deles foi dar a mão ao Maurinho , mas este interpretou mal aquele gesto de paz e deu uma bofetada no homem. Pronto, o pau comeu. Entramos no túnel debaixo de garrafadas, e a briga continuou. O médico, dr. Nilton Paes Barreto, nem pôde costurar o Pinheiro , porque as garrafas caíam lá dentro. Depois, nós também saímos para atirar algumas garrafinhas. A coisa teria ido longe, se os próprios húngaros não resolvessem parar, porque a polícia interferiu. De um certo modo, apanhamos no pau e na bola e a viagem de volta à concentrração foi o maior silêncio. Só o Geraldo José de Almeida falava , procurando confortar a turma. O povo suiço , muito bacana, encheu as ruas de flores e arcos com saudações e palavras afetuosas para os brasileiros. E nós tivemos que parar várias vezes para comer com os populares, que puseram mesinhas nas calçadas para nos oferecer chá, doces e chocolate. Houve apenas uma quebra de disciplina na concentração, quando Veludo e Pinheiro fugiram uma noite para cair na farra. Zezé percebeu e, quando eles voltaram, pela manhã, encontraram suas malas na portaria. O técnico foi seco. - Vocês voltam para o Brasil hoje mesmo.Já mandei reservar passagens. Alguém então telefonou para o ministro João Lira Filho, que foi lá e botou panos quentes. Eles não podiam ser desligados. Eram do Fluminense. Assunto do próximo texto; A Copa de 58 Em 05 de junho de maio de 2019 Atualizado em 13 de junho de 2019, às 11h48min Fonte: Memórias de Mário Américo - O MASSAGISTA DOS REIS Matteucci, Henrique 1924- segunda edição com revisão histórica de Roberto Petri. - São Paulo: Editora Nacional , 1986 - páginas 151 a 154 Marcos Antonio Vasconcelos Rodrigues - Redator do Site Eternamente Futebol , acompanha futebol desde os anos 1970. Professor concursado da Rede Pública Estadual de Ensino do Ceará, possui especialização em língua portuguesa e literatura, autor do livro palavras do meu sentimento.
Mário Américo - ex-massagista da seleção brasileira
Enviado por Marcos Antonio Vasconcelos em 13/06/2019
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