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![]() A ESCOLA PRECISA DAR ÊNFASE À EDUCAÇÃO DO SENTIMENTOArtigo científico Autor: Marcos Antonio Vasconcelos Rodrigues – Professor de Língua Portuguesa
Professor com quase três décadas de experiência, atuando nos três turnos escolares desde os anos 1980, em escolas públicas e particulares, especialmente em contextos de vulnerabilidade social. Graduando em Ciências da Educação ORCID:https://orcid.org/0009-0004-6665-3765
Resumo
Este artigo é um convite à reflexão sobre a urgência de uma educação que vá além do repasse mecânico de conteúdos e alcance também os sentimentos — aquilo que nos faz verdadeiramente humanos. Em meio a uma sociedade marcada pela violência, por laços familiares fragilizados, pela corrupção e pela perda de referências éticas e afetivas, acredito que a escola se torna um espaço essencial para a formação de pessoas mais conscientes, tolerantes, empáticas e solidárias. Apoio-me em pensadores como Daniel Goleman, Edgar Morin, Antonio Candido, Lawrence Kohlberg e Nel Noddings para sugerir caminhos que dialoguem não só com a mente, mas também com o coração — sempre em sintonia com os princípios da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Palavras-chave: Educação do Coração; Empatia; Formação Ética; BNCC; Humanização.
1. Introdução
Drogas, corrupção, gravidez precoce, violência e famílias em ruptura : esse é o cenário que, dia após dia, nos rouba a esperança. Cresce, então, um sentimento coletivo de impotência. Por muito tempo, atribuiu-se tantos problemas à “falta de escolarização”. Contudo, basta ligar a TV ou ouvir uma conversa cotidiana para ver pessoas altamente instruídas envolvidas em atos desumanos e desvios de conduta. O que está faltando, afinal?
Falta-nos a educação do sentimento — aquela que molda o caráter, que desperta o cuidado com o outro e consigo mesmo, que ensina a conter os impulsos que ferem, e as vontades que afastam. Sem essa dimensão sensível e ética, as escolas correm o risco de se tornarem apenas espaços de transmissão de conteúdos, vazios de alma, desconectados da essência humana que deveria habitá-las.”
2. Revisão de Literatura
Autores como Daniel Goleman (1995) mostram que a inteligência emocional é um fator essencial para o sucesso pessoal e social do ser humano. Edgar Morin (2001) defende a ética do cuidado com a vida como um princípio que inspira uma educação capaz de unir razão e sensibilidade. Lawrence Kohlberg (1981) sugere que o desenvolvimento moral acontece em estágios, que podem ser despertados por meio de dilemas éticos no ambiente escolar. Nel Noddings (1984) propõe o cuidado como fundamento das relações educativas. Antonio Candido (2011), por sua vez, afirma que a literatura humaniza, porque permite ao leitor enxergar o mundo pelos olhos do outro.
Todos esses pensadores, a meu ver, oferecem uma compreensão mais ampla, mais humana e mais verdadeira da educação. Suas ideias me tocaram com intensidade, pois dialogam com aquilo que, há quase três décadas, venho tentando cultivar em minha prática docente: uma pedagogia feita de empatia, escuta e presença — que busca despertar a consciência sobre a importância de frear pensamentos e vontades que ferem, que desviam, que nos afastam do melhor que podemos ser.
3. Metodologia
Esta reflexão nasce da vivência e do olhar sensível lançado sobre a experiência em sala de aula. Adota-se uma abordagem qualitativa, de natureza teórico-reflexiva, amparada em autores que compreendem a educação como um ato ético, afetivo, transformador — e que contribui para o desenvolvimento do equilíbrio emocional. Ainda que não se trate de uma investigação empírica com coleta de dados, o texto se apoia na escuta atenta, na interpretação crítica e na experiência docente como caminhos legítimos de produção de sentido.
Sempre procurei usar o diálogo, o entendimento e a empatia no relacionamento diário com os estudantes — inclusive com aqueles considerados “difíceis” ou “indisciplinados”. Nunca acreditei que colocar um aluno para fora de sala de aula, ameaçá-lo com reprovação ou outras punições servisse para melhorar seu comportamento. Pelo contrário: acredito que isso os torna ainda mais revoltados e agressivos.
Desde meu ingresso na escola pública, em 2009, venho atuando em instituições da periferia de Fortaleza, onde o fluxo de estudantes com problemas sociais é muito maior. É nesse contexto que fui percebendo, aos poucos, a força da escuta e do afeto como instrumentos pedagógicas poderosos.
Além disso, a docência, como bem se sabe, é uma das profissões mais atingidas pela síndrome de burnout — um esgotamento físico, emocional e mental que se acumula silenciosamente. Com base na minha vivência, deduzi que essa condição pode ser amenizada quando o professor se prepara emocionalmente para os desafios diários da sala de aula. Práticas simples, como uma boa alimentação, caminhadas ao ar livre, o cultivo do hábito da leitura e momentos breves de meditação antes das aulas, fazem diferença. Mais do que estratégias de autocuidado, são gestos de preservação da saúde emocional. E mais: um professor emocionalmente estável tem maiores condições de agir com empatia, mesmo diante de turmas desafiadoras, marcadas por múltiplas vulnerabilidades.
Essas percepções, nascidas da prática cotidiana e do enfrentamento pessoal dos desafios da docência, reforçam a importância da escuta de si mesmo como parte do processo formativo. A experiência do professor-pesquisador, nesse contexto, constitui uma fonte legítima de análise e fundamentação — como reconhecem os autores da pesquisa narrativa e da autoetnografia.
4. Discussão e Análise
Tolerar e ser empático não significa, em hipótese alguma, perder o controle da turma ou deixar o ambiente escolar desorganizado. Ao longo dos anos, fui percebendo, na prática, que quando o professor tem domínio de conteúdo e demonstra segurança pedagógica, até mesmo os alunos considerados desinteressados acabam respeitando sua atuação.
Acredito que esse respeito nasce de dois pilares essenciais: autoridade construída no diálogo e aula planejada com clareza de propósito. Dominar o conteúdo, manter o equilíbrio emocional e estar aberto à reeducação constante são, para mim, as ferramentas básicas da docência transformadora.
Mesmo assim, confesso que não é raro o professor sentir certa angústia — especialmente quando percebe que todo o empenho e planejamento dedicado a uma aula não produziram o resultado esperado. Nesses momentos, em vez de culpa, é preciso cultivar autocompaixão e resiliência. O importante é aprender com o processo.
As teorias educacionais que embasam este artigo fortalecem essas percepções cotidianas.
Daniel Goleman, com sua proposta de inteligência emocional, nos mostra que habilidades emocionais pouco desenvolvidas podem dar origem a adultos altamente qualificados do ponto de vista técnico, mas imaturos na convivência. Em outras palavras, o conhecimento, por si só, não basta — sem empatia, sem escuta, sem autocontrole, ele se torna incompleto, muitas vezes até perigoso.
Já Edgar Morin propõe que o saber seja construído em diálogo com uma ética da solidariedade — aquilo que ele denomina de antropo-ética. Educar, em sua perspectiva, é integrar razão e sentimento, ciência e consciência, conhecimento e afetividade. Sinto que essa visão é mais do que atual: é urgente, sobretudo em um mundo cada vez mais marcado pela indiferença e pela fragmentação das relações humanas.
Nel Noddings, por sua vez, nos lembra que toda prática educativa deve estar alicerçada no cuidado. Ensinar é cuidar, escutar, acolher. O vínculo entre professor e aluno não é apenas um meio para o ensino, mas um fim em si mesmo — é onde a humanidade se revela.
Lawrence Kohlberg também oferece uma contribuição valiosa ao defender que a escola deve ser espaço para o debate de dilemas éticos. Esse tipo de abordagem ajuda o aluno a refletir sobre valores, consequências de atitudes e responsabilidade moral.
Antonio Candido, finalmente, traz a literatura como um instrumento poderoso de humanização. Quando lemos histórias, quando nos colocamos no lugar das personagens, desenvolvemos uma sensibilidade que nenhuma aula técnica seria capaz de ensinar. Na minha prática, a leitura literária sempre foi ponte entre o “eu” e o “outro”.
Essas ideias, longe de serem apenas conceituais, dialogam diretamente com os princípios da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Entre as competências gerais propostas, estão o desenvolvimento da empatia, da escuta ativa, do respeito à diversidade e da cultura de paz — todos traços de uma educação do sentimento.
5. Resultados
“A seguir, apresento três episódios marcantes da minha trajetória docente que ilustram, na prática, os princípios discutidos ao longo do artigo. Estes relatos compõem uma forma legítima de produção de conhecimento na abordagem qualitativa vivencial.”
5.1 A arma no fundo da sala
O ano era 2011. Eu lecionava para uma turma de oitavo ano em uma escola pública localizada numa comunidade com sérios problemas sociais. Havia um aluno que chamava atenção por sua inquietação constante. Sentava-se sempre no fundo da sala, e eu notava que, frequentemente, colocava a mão na cintura de forma tensa e repetitiva. Algo me dizia que havia um risco ali.
Decidi observar mais de perto. Esperei até o segundo dia da semana seguinte. Ao final da aula, pedi que ele permanecesse na sala. Quando nos vimos a sós, com serenidade, perguntei: “Você está portando uma arma?” Ele me respondeu que sim, sem hesitação.
Nesse instante, senti que mais do que agir como autoridade, eu precisava agir como homem, educador, humano. Disse a ele que não iria comunicar à direção ou à polícia. Nós resolveríamos entre nós, com diálogo e confiança. Ele, aliviado, explicou que estava sendo ameaçado de morte por um grupo rival e que carregava a arma por medo. Sugeri que ele se afastasse da escola por alguns dias. Em troca, justificaria suas faltas nas minhas aulas.
Quatro dias depois, três adolescentes armados pularam o muro da escola à procura dele, sala por sala. Eu tremi por dentro. Aquela decisão de tê-lo mantido longe, naquele momento, talvez tenha salvado sua vida.
“Nunca mais o vi, mas espero sinceramente que tenha encontrado caminhos mais seguros para sua existência” Até hoje, essa lembrança me acompanha como um alerta e um testemunho de que o afeto é, às vezes, mais urgente que a regra.
5.2 Uma sala hostil, um convite à escuta
Em 2009, assumi uma turma do segundo ano do ensino médio em uma escola pública. Era uma das turmas mais temidas pelos professores. O docente anterior havia solicitado transferência após ser ameaçado por alunos. Em um episódio tenso, chegou a dizer em sala que prestaria concurso para a polícia para “prender certos estudantes”, o que só piorou o clima.
Cheguei para substituir esse professor, ciente do que me aguardava. Na minha primeira aula, decidi não dar conteúdo. Organizei a turma em círculo e propus um diálogo franco. “O que podemos fazer, juntos, para que nossas aulas tenham algum sentido?”, perguntei.
Conversei particularmente com os alunos mais difíceis. Pedi o apoio deles — que, mesmo sem interesse pela matéria, ao menos me deixassem ensinar. Fiz acordos, troquei pequenas concessões por colaboração. Usei atividades com recortes de revistas, trabalhos em grupo, textos com temáticas atuais e próximas da realidade deles.
Com o tempo, o ambiente mudou. Os olhares desconfiados deram lugar à curiosidade. A indisciplina deu lugar a diálogos. A aula passou a ter fluxo, e a relação professor-aluno se consolidou como espaço de respeito mútuo.
5.3 O olhar mal interpretado
Em 1999, lecionei para uma turma do terceiro ano do ensino médio em uma escola particular de Fortaleza. Era uma aula à noite, sobre figuras de linguagem. Como é comum entre professores, eu me dirigia ao fundo da sala ao falar — tentando alcançar todos os alunos com o olhar.
No meio da explicação, um estudante da última fila me interrompeu, visivelmente incomodado: “Professor, por que você fica me encarando o tempo todo? Isso não é a primeira vez.”
A sala ficou em silêncio. Eu poderia ter respondido de forma ríspida ou defensiva. Mas, respirando fundo, disse com calma: “Se você sentiu isso, me perdoe. Eu olho para o fundo da sala como parte da minha prática, sem direcionar a ninguém. Mas respeito o que você sentiu.”
Foi uma lição. Mesmo um gesto inocente pode ser interpretado de formas inesperadas. E, mais importante: um simples pedido de desculpas sincero pode impedir que uma situação se transforme num conflito
Esses episódios, tão diferentes entre si, reforçam para mim que a escuta, o respeito e a empatia são os instrumentos mais eficazes para transformar relações e ambientes escolares.
6. Considerações Finais
Educar não é apenas instruir ou repassar conhecimentos. Educar é, antes de tudo, cuidar — é ajudar o aluno a desenvolver autocontrole sobre suas emoções e vontades. Em outras palavras, é cultivar a educação do sentimento. É permitir que o outro cresça não só em conhecimento, mas também em humanidade. É saber enxergar, por trás da indisciplina, uma história. Por trás do silêncio, uma dor. E por trás de cada aluno, uma possibilidade real de transformação.
Ao longo das minhas quase três décadas de magistério — divididas entre escolas públicas e privadas, entre manhãs, tardes e noites — aprendi que conhecimento técnico, ou o simples acúmulo de informações, sem sensibilidade humana, não transforma ninguém. A autoridade que impõe medo pode calar, mas não cria vínculos. Já o professor que acolhe, mesmo ao corrigir, deixa marcas que o tempo não apaga — marcas que educam, tocam e permanecem.
A proposta deste artigo não é apenas uma leitura teórica das ideias de autores como Daniel Goleman, Edgar Morin, Lawrence Kohlberg, Nel Noddings e Antonio Candido. Ela nasce também de uma prática docente real, cotidiana, feita de desafios e superações. A partir dessa vivência, pude constatar que o que realmente provoca mudanças na escola é o afeto aplicado ao conhecimento, o olhar humano aliado à preparação pedagógica, e o esforço constante por equilibrar sentimentos e vontades.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) vem reconhecer, inclusive, essa urgência ao enfatizar competências socioemocionais, empatia, escuta ,respeito à diversidade e equilíbrio emocional. Isso nos mostra que não se trata de uma escolha “alternativa”, mas de uma necessidade estrutural da educação contemporânea.
Que possamos formar gerações que saibam resolver equações — e também conflitos. Que leiam livros, mas também saibam ler os gestos do outro. Que desenvolvam habilidades cognitivas e emocionais. Que aprendam a brilhar, mas também a acolher. Que consigam frear impulsos e sentimentos. Em última instância, uma escola que forma apenas cérebros, mas esquece os corações, está formando apenas metade de um ser humano.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
KOHLBERG, Lawrence. The philosophy of moral development: moral stages and the idea of justice. New York: Harper & Row, 1981.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; UNESCO, 2001.
NODDINGS, Nel. Caring: a feminine approach to ethics and moral education. Berkeley: University of California Press, 1984.
IMPORTANTE: Este texto teve sua primeira versão publicada em 15 de abril de 2009, no Blog Sinto Muito, Mas Preciso Falar , que à época era o espaço que eu utilizava para publicar reflexões pessoais sobre problemas existenciais e educativos. Em 21 de dezembro de 2013, o texto foi republicado na Plataforma Recanto das Letras , ampliando seu alcance e diálogo com outros leitores. Em junho de 2025, após mais 15 anos de prática docente, ( minha prática docente teve início nos anos 1980) , ele foi revisitado, ampliado e transformado em artigo acadêmico, agora fundamentado na metodologia da Autoetnografia - abordagem que pretende entrelaçar vivência pessoal e investigação científica , sem abrir mão da sensibilidade que deu origem às primeiras palavras.
Marcos Antonio Vasconcelos
Enviado por Marcos Antonio Vasconcelos em 15/06/2025
Alterado em 25/06/2025 Copyright © 2025. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. Comentários
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